O Menino que amava as gentes
Era uma vez um menino gentil, nascido numa casa amarela; filho de pais amorosos, com eles aprendia o respeito, o carinho, a ternura e, sussurrado, o encanto das palavras. E falava, falava, adorava falar.
Falava com todos; gentes, flores, bichos, plantas, ventos, árvores, nuvens, céus. Não cansava de falar.
O menino gostava de sentar à sombra de uma árvore quase escondida, no fundo do quintal, uma velha mangueira, generosa de sombra e de proteção. Dela caíam pequenos gravetos que o menino colhia e guardava como grandes tesouros.
Um dia estava ele sentado embaixo da amiga mangueira e, de repente, sua mãe chegou e lhe disse: “Meu filho, vamos fazer uma mágica?”. O menino, curioso, bateu as mãos e respondeu animado “Vamos, mamãe!”. A mãe então pegou um graveto da bondosa mangueira, colocou-o na mãozinha do filho e, juntos, começaram a traçar pequenas linhas no chão. De repente, desses desenhos nasceu uma letrinha, depois duas e três, até formar a palavra “MAMÃE”. O encanto das palavras se transformou em realidade: o menino aprendeu a escrever!
E o menino crescia, crescia, e com ele o seu grande coração e a sua capacidade de amar.
Um dia, este amor esbarrou no amor de uma linda menina e, juntos, ganharam o mundo. E continuaram falando.
E neste caminho encontravam criaturas e com elas aprendiam ensinando. E ensinavam aprendendo.
O menino, agora crescido, sonhava que todas essas pessoas que andavam com ele pudessem um dia também, saborear a magia das palavras. E começou a falar em um tom de esperança, com voz de profeta, com olhos saudosos, com coração de aprendiz.
Mas, certa noite, uma triste canção de trovões quebrou este encanto: da sombra surgiram uns homens mascarados e roubaram-lhe o sonho, tentando calar o seu coração.
Porém, o amor que ele tinha espalhado começou a brotar, unindo-se em nuvem, carregando-o para longe, afastando-o da tempestade.
Muito andou esse nosso menino, agora crescido. Muitos conheceu, muitos amou. E continuava falando.
Estava ele apoiado na janela dos sonhos, num país tão distante quando, um dia, um enorme arco-íris veio para levá-lo de volta à sua terra, molhado nas cores, guiado por elas, pelo caminho da esperança, de novo.
Corria pelos céus e com eles falava, e ninguém, nunca mais, ousou silenciar o seu coração, que falava, falava, as palavras do amor.
Os anos passaram, a barba do menino agora crescido tornara-se branca, comprida, cheirosa de vida e carregada de frutos, como a antiga mangueira dos tempos da infância.
E o coração dele andava engrossando, como mingau de neném, que alimenta os pequenos e torna-os fortes.
Pesado de amor, embebido de sonhos, um dia esse músculo vivendo quebrou-se, explodiu bem no meio, rompeu-se em mil pedacinhos, espalhou-se invadindo as casas das gentes do mundo, que o homem, agora eternamente menino, havia tanto amado.
Esta foi a história de PAULO FREIRE, o menino conectivo.©
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