Havia sete meninas em volta de uma mesa. Todas diferentes. Com vozes mais agudas ou mais graves. Com cabelos lisos e menos lisos. Com lábios abertos ou cerrados. Nenhuma parecida com a outra, mas todas com um certo ar de familiaridade que não saberia explicar.
Sabe como é ficar curiosa? Simplesmente me pus a olhar, aliás, a escutar, aliás, a ver mesmo; abri bem aqueles olhos grandes de mosca que a natureza me deu. E comecei a espiar.
Não saberia dizer mas fiquei contente que houvesse gente aqui na sala, nessa sala grande que tem tantas cadeiras, todas iguais, uma lata de lixo onde às vezes me escondo, uma janela sempre fechada e um silêncio que me deixa tonta.
Porém as meninas falavam, e como falavam, animadas, agitadas, cada uma dizendo coisas, com voz forte e decidida. Gostei. Não entendi bem o que estavam discutindo, mas o assunto havia de ser bem sério, ou talvez não, afinal sou uma mosca, do que eu sei?
Uma menina, no canto, ao entrar chamou a minha atenção: olhar distante, profundo, inchado, não sei se de lágrimas, já que sou só uma mosca, já disse. Não choro e não sei de quase nada. Ainda não aprendi, que o aprender é coisa de humano. Não o chorar, que eu já vi gato chorando, mas essa é outra história. Voltemos à menina. Parecia perdida, sabe, voei em volta dela sem que ela me visse, e senti uma dor me alfinetar. Pousei bem no nariz dela, mas ela continuou não me vendo. Pena, né? Logo que a vi a achei meio familiar, mas nem sempre as nossas sensações são correspondidas. A minha vida de mosca que o diga; me agito que nem uma maluca para que os outros percebam que existo, mas quando me vêem... zac! Querem logo me esmagar! Sim, sim, não sei porquê, mas é isso que acontece... Vida de mosca, ninguém merece. Mas vamos lá.
Eu conheço bem os bichos; estou nesse mundo há muito tempo, sabe? Mudo de nome, às vezes de tamanho, o aspecto também pode variar mas, por dentro, sou sempre a mesma. Seja eu mosca, cobra, como já fui, ou aquela vez que nasci morcego, lembra? Aquilo ali foi doido, via tudo de cabeça para baixo, ou para cima, até hoje não entendi...
Pois bem, foi me prometido que em uma das próximas encarnações serei humana, mas não sei se quero isso para mim. Para quem já foi vaquinha, pastando e pastando e vivendo uma deliciosa vida de vaca, se tornar aquele bicho meio esquisito com aquelas pernas compridas e aquelas garras todas, sei não, com todas aquelas manias humanas, sei não... Mas vamos continuando, que vida de mosca não tem esse tempo todo não! Logo acaba, e acaba que não disse nada, ou quase nada.
Sabe que no meio dessas meninas havia uma, de cabelo comprido, preto que nem a noite, com uma voz que me parecia familiar? Ao falar vibrava toda, quase pulava, me engana que eu gosto se aquela ali não foi grilo! Foi sim, e ainda guarda um pouco de “grilês” dentro dela. Grilo, mosca, é tudo a mesma coisa. Gostei dela!
Do lado dela uma menina comprida, comprida, o olhar cansado como de quem já viu muito nessa vida. Fui à direção dela, e ela me viu. Sorriu para mim. Um sorriso longo que vinha de longe. Familiar. Com certeza já foi mosca. Menina esclarecida. Esta aqui vai reencarnar em anjo. Sabe que fez até cosquinha na minha barriga? E olha que não é todo mundo que goste de mosca. Eu que o diga, que logo que entro pelas janelas das casas daqueles seres grandes querem me... bom, já disse né? Brrr, melhor não pensar nisso.
Sentada à mesa, uma menina, menina quase velha diria; os olhos quase fechados, quase sorrindo, quase gritando, quase falando, quase vivendo. Que cara familiar... eh, cara de sapo! Melhor se afastar. Esta acabou de sair da casa dos sapos e ainda não se deu conta de que virou ser humano. E sapo come o que? Mosca!! Asas para que te quero, longe dela, que tem cara (e língua) de “quase não gostei”.
E pousei em cima de uma figura, uma figuraça, uma figurinha! Olha, não sei se andei mexendo em açúcar demais, mas sabe o que estava vendo quando olhava para ela? Uma menina, de repente coruja, depois menina, e coruja de novo, sem parar! Esticava até as asas, sério! Bem que a achava familiar... Um ar noturno, uma sabedoria antiga, muito coruja e muito humana. Duas coisas lindas ao se juntarem. Um resultado que dá prazer só de ver.
E o meu olhar voltou para cima daquela menina que tinha achado tão distante. Mas agora ela estava ali, presente que nem uma flor de madrugada, pronta para se abrir. Gostei de vê-la assim. Não sei se imaginei, mas vi até umas pétalas nascendo no rosto dela.
Eu sou da terra, sempre fui e provavelmente serei, mas gosto do mar. É, só porque sou mosca não posso desgrudar do lixão de vez em quando e dar uma esticadinha de asas até a praia? Sobretudo agora que este ser de pernas longas joga nela tanto lixo e eu, como se sabe, com o lixo tenho uma certa intimidade. Mas gosto do mar, gosto das ondas, gosto da água limpa (mosca também toma banho, mas só de vez em quando, que é para não perder o charme). E como gosto do mar, reconheço os seres que dele vêm: me são familiares, exatamente como aquela pequena menina, pequena sereia. Aquela ali vem do fundo do mar. E não adianta dizer que estou sonhando, pois ainda dá para ver um pedaço de cauda, espremida na calça. Lá está ela, fulgente e pronta para dar uma voltinha no fundo dos sete mares. Só faltava ela cantar aquelas doces cantigas de sereias. Quase pedi para ela, mas quem garante que ela entenderia o meu zum zum zum?
E vamos à última, aquela menina engraçada que, cara, vou te contar, carrega na cara as caras de todos os seres que eu já vi e estou cansada de ver, e olha que não foram poucos não! Se você olhar para ela, de repente aparecerá cara de borboleta. E quando ela sacode a cabeça, dá até para ver aquela purpurina mágica saindo dela! E como eu sou curiosa, afinal, mosca é para isso mesmo, voei em torno dela, e zac! Para meu espanto, não é que a cara dela tinha virado mosca? Quer algo mais familiar do que isso? ©







Amei a corujaaaaaaaa!! Que linda!
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